As novas normas para rotulagem nutricional, estabelecidas pela RDC nº 429 de 09 de outubro de 2020 e pela IN nº 75 de 09 de outubro de 2020, definem os requisitos técnicos para declaração da rotulagem nutricional nos alimentos embalados.
São um conjunto de medidas que tem como objetivo facilitar a compreensão do consumidor, incentivar a reformulação dos produtos pela indústria de alimentos e promover a adoção de dietas mais saudáveis. Saiba mais sobre as novas regras aqui.
Consideramos essas mudanças um grande passo para a evolução das regras de rotulagem nutricional no Brasil, mas percebemos que, em alguns casos, poderá haver confusão na interpretação das lupas de alto teor por parte dos consumidores.
Entenda 3 limitações das novas regras e o que já encontramos por aí
1. Não considerar as informações da lista de ingredientes
A rotulagem nutricional frontal identifica com as lupas produtos com excesso de sódio, açúcar adicionado e gordura saturada. Ou seja, são um reflexo da tabela nutricional do produto, mas sem considerar a composição de ingredientes. Neste sentido, existem produtos sem excesso de nutrientes críticos, mas que são ultraprocessados.
Um exemplo é este refrigerante, cuja lista de ingredientes apresenta marcadores de ultraprocessamento, como corantes, aromatizantes e edulcorantes, mas apresenta, em 100 ml, quantidade de açúcares adicionados inferior ao limite para apresentar lupa de alto teor. Confira a lista de ingredientes e a tabela nutricional:
Porém, uma unidade (350 ml) do refrigerante possui 24g de açúcares adicionados, ou seja, uma quantidade bem significativa se consideramos que a OMS recomenda a redução de açúcares para menos de 10% das calorias diárias (50 g por dia considerando uma dieta padrão de 2.000 kcal) e indica benefícios adicionais ao diminuir para menos de 5% (o equivalente a 25 g para dieta padrão).
2. Não considerar a porção de consumo
Para um produto ser considerado alto em algum nutriente crítico ele precisa apresentar quantidade igual ou superior a definida pela legislação em 100 g ou 100 ml de produto. Entendemos que essa padronização torna a regra mais viável e permite a comparação entre produtos, mas apresenta limitações quando analisamos alimentos com porções de consumo maiores ou muito menores do que 100 g ou 100 ml.
Exemplo de produto com porção de consumo maior do que 100 g
Uma unidade do produto a seguir pesa 145 g, porém como o cálculo leva em consideração 100 g do alimento, este produto não apresenta lupa de alto teor de sódio por faltar apenas 8 mg de sódio para ultrapassar o limite estabelecido. Ou seja: bate na trave pela regra de 3, mas, na prática, a pessoa teria que ingerir apenas ⅔ do sanduíche para não ultrapassar o limite… Consumindo o sanduíche inteiro, o limite de sódio seria ultrapassado. Este é um exemplo que consideramos mais coerente que o cálculo seja feito para o sanduíche inteiro já que é improvável que a porção de consumo seja 2/3 do sanduíche.
Exemplo de produto com porção de consumo menor do que 100 g
A pasta de amendoim, na imagem abaixo, apresenta lupa de alto em gordura saturada, pois 100g de alimento atinge a quantidade limite estabelecida. Mas, vamos pensar na porção de consumo: este é o tipo de produto que costuma ser consumido em quantidades bem inferiores a 100g. A própria porção de consumo indicada pela legislação da Anvisa é de 1 colher de sopa (15 g), então para ultrapassar o limite de gordura saturada a pessoa teria que consumir mais de 6 colheres de sopa.
3. Considerar o produto pronto para consumo em uma porção não usual
Além de padronizar a quantidade de 100 g e 100 ml, a legislação define que estas quantidades devem ser do produto pronto para consumo de acordo com o modo de preparo definido pelo fabricante. Entretanto, se o produto necessita de diluição, mesmo apresentando alta quantidade de nutrientes críticos, ao prepará-lo ele pode não apresentar excesso em 100 g ou 100 ml. Veja alguns exemplos:
Exemplo: macarrão instantâneo
Este pacote tem 80 g de macarrão e 5 g do tempero em pó. No total, o sódio equivale a 1471 mg. Até aqui você provavelmente vai pensar: “ahhh se o limite para apresentar a lupa é de 600 mg, com certeza este produto vai ser considerado alto em sódio”. Mas, acredita que a água para cozinhar o macarrão (isso mesmo que você leu) entra no cálculo da porção? Então, seguindo as recomendações de preparo do fabricante, 100 g do alimento pronto para consumo equivale ao consumo de aproximadamente 1/5 do conteúdo da embalagem. E aí, quem é que vai consumir apenas um quinto do pacote?
Exemplo: achocolatado
85% deste produto é feito de açúcar (é isso mesmo, tem mais açúcar do que cacau na composição). Entretanto, como o modo de preparo indicado pelo fabricante é adicionar 240 ml de leite, o produto pronto para consumo não é considerado alto em açúcares. Mas atenção! Ele não é considerado alto em açúcares adicionados em 100 ml de leite com achocolatado, por isso não leva lupa de alto teor. Na porção de consumo indicada no rótulo (e usualmente consumida), equivalente a uma xícara, ele seria sim alto em açúcares adicionados.
Desrotulando além das lupas
No escore Desrotulando, analisamos a quantidade de nutrientes críticos pelos parâmetros estabelecidos pela Anvisa, mas também identificamos e pontuamos negativamente os produtos com teores próximos ao alto e que não apresentarão a advertência na embalagem. E o nosso maior diferencial é que além da análise quantitativa da tabela nutricional, realizamos uma análise qualitativa da composição do produto levando em consideração sua lista de ingredientes e grau de processamento. Saiba mais sobre o nosso escore aqui.
Referências
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC nº 429, de 09 de outubro de 2020.
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Instrução Normativa nº 75 de 09 de outubro de 2020.
ANVISA, Agência Nacional de Vigilância Sanitária -. Rotulagem nutricional : novas regras entram em vigor em 120 dias. 2022. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2022/rotulagem-nutricional-novas-regras-entram-em-vigor-em-120-dias. Acesso em: 06 set. 2023.
Ministério da Saúde. Como identificar o açúcar escondido nos alimentos: o ingrediente pode ser descrito nos rótulos dos produtos com diferentes nomes. 2022. Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/causas-e-prevencao-do-cancer/dicas/alimentacao/como-identificar-o-acucar-escondido-nos-alimentos#:~:text=De%20acordo%20com%20a%20Organiza%C3%A7%C3%A3o,de%20dez%20colheres%20de%20ch%C3%A1. Acesso em: 6 set. 2023.
World Health Organization (WHO). Guideline: Sugars intake for adults and children. Geneva: WHO; 2015.